quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

NO DIA DO ANIVERSÁRIO DE JÚLIO ISIDRO

Corria o Verão de 1975. Para nós, mais novos, a perspectiva de umas férias de quatro meses ou mais era uma grande notícia. Os adultos homens tinham deixado de falar de futebol e passaram só a falar de política. Tios e vizinhos por vezes exaltavam-se a falar dos Vascos Gonçalves, Spínolas e afins, e muitas vezes os mais moderados tinham de intervir para evitar conflitos mais problemáticos. As mulheres tinham encontrado um novo tema de conversa: uma coisa vinda do outro lado do Atlântico, que dava pelo nome de Gabriela e que prendia as famílias à televisão ao serão. Mas as mulheres também começavam a mandar algumas alfinetadas políticas. 

Além da Gabriela, do senhor Mundinho e do Bataclã, a televisão pouco mais diversidade tinha, pelo que os mais novos preferiam ir à praia ou brincar na rua. A Rádio era naqueles tempos uma boa companhia. Passava muita música actual e uma boa quantidade de música portuguesa. Durante uns tempos tomei nota de todas as canções que ouvia no radiozinho de pilhas que andava sempre comigo e o "Somos Livres" da Ermelinda Duarte batia toda a concorrência. A seguir vinha a segunda classificada do Festival da Canção desse ano, "A boca do lobo" de Carlos Cavalheiro. Depois, os nomes mais sonantes da música portuguesa do antes, durante e depois do 25 de Abril de 1974: Tonicha, Paulo de Carvalho, Fernando Tordo, Carlos Mendes, Duarte Mendes, José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Paco Bandeira, José Cid... enquanto os fadistas - em especial Amália - desapareceram da rádio, excepção feita a Carlos do Carmo, que afinal não era só fadista pois também interpretava canções de intervenção. Ary dos Santos era transversal a quase toda esta gente talentosa. Na altura praticamente não se ouvia Sérgio Godinho e Jorge Palma era desconhecidíssimo. 

Na Rádio havia um nome que começava a ficar no ouvido de todos, começando a rivalizar com o nome de Matos Maia: Júlio Isidro. Nesse Verão - quente em todos os aspectos - de 1975 ele tinha um programa para onde os ouvintes podiam enviar cartas. Ele lia algumas, ou pelo menos algumas frases de algumas cartas. Um dia, estava a miudagem toda dentro do carrito do meu pai a caminho da praia quando comecei a ouvir no rádio algo que me era familiar: o texto que eu tinha enviado dentro de uma carta para o programa matinal do Júlio Isidro (não me lembro do nome do programa) estava a ser lido pelo próprio, ilustrado com música de fundo, o que não era habitual com outras leituras. Fiquei inchado. Não me lembro do que escrevi nesse texto mas deve ter sido algo apelando à paz e à concórdia entre as pessoas, já que a altura era conturbada.

Júlio Isidro passou a fazer parte do meu mundo radiofónico e mais tarde televisivo. Em 1983 estive num Festa é Festa e consegui um autógrafo (ver foto). Sempre com uma admiração enorme, só voltei a cruzar-me com Júlio Isidro em 2007 (ver foto) num jantar do aniversário de um partido político onde eu estive em trabalho. De resto, nestas décadas todas nunca perdi o rasto a Júlio Isidro, desde os seus programas (talvez dos melhores da TV portuguesa) na RTP Memória até à actual parceria aos Sábados de manhã na Rádio Renascença, com Paulino Coelho. Duvido que em Portugal haja alguém com tanta cultura e memória musical como Júlio Isidro. Parabéns para um dos portugueses mais talentosos de sempre.

(jag)



 

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