Tivemos alguns gatos em
casa dos meus pais. Poucos. Lembro-me da Menina e do Amarelo, ainda eu era
pequeno. O Amarelo porque era mesmo amarelo e vislumbro-o a escorregar nos braços da
minha irmã mais velha quando no-lo deram. A Menina era mais franzina e a
ideia que tenho dela era vê-la nos ombros da minha Mãe
quando esta passava a roupa a ferro com um ferro de ferro e que levava brasas lá
dentro. A Menina ali se equilibrava e a minha Mãe – na altura
muito alta – poucos movimentos fazia para não a
perturbar. A não ser de vez em quando, quando ela tinha que reabastecer o ferro
de brasas.
Não me
lembro o que aconteceu com esses gatos (ver se pergunto à
minha Mãe ou à minha irmã), quando alguns meses
depois nos mudámos para a casa onde os meus pais ainda hoje estão. Os
gatos devem ter ficado na quinta onde os meus avós
estavam.
Não
voltámos a ter gatos em casa nos 15 anos seguintes. Por lá
apenas passaram periquitos, frangos, galinhas, gansos pequenos, coelhos e até uma
gaivota que recuperámos de uma ferida numa asa –
quais ambientalistas dos anos 70 – e soltámos
mais tarde na maré, depois de ela fazer um estágio
na banheira.
Mas, voltando aos gatos:
nos idos de 80 tivemos uma gata (que antes de ser gata, pensávamos
ser gato e demos-lhe o nome de Adonis) a quem acabaríamos
por chamar Doninhas. A minha Mãe adorava fazer-lhe
judiarias e a gata gostava de nos observar do alto dos móveis
ou dos armários da cozinha, em especial quando havia visitas em casa.
Um dia, a minha Mãe – que bordava
“para fora” –
recebeu umas senhoras, acopladas com os respectivos filhos pequenos e que
gostavam de puxar os rabos aos gatos. Enquanto as donas visitas faziam aquilo
que mais gostavam, que era “dar à língua”, a
gata deve ter levado um puxão de rabo ou sentido ciúmes
com a miudagem, e vai daí abandonou a sua habitual
serenidade, assanha-se e salta de debaixo de um divã em
direcção a um dos miúdos, qual felino na selva a
atacar a sua presa, quando a minha Mãe,
entre dois ou três monossílabos para as donas visitas
que não paravam de parlar, se meteu entre o miúdo e
a gata. Resultado: a gata agarrou-se com quantas garras e dentes tinha ao braço direito
da minha Mãe e só o largou depois de levar com o cavalo de baloiço de
madeira da minha irmã mais nova.
Quando cheguei
a casa, vindo da escola, ainda cheguei a tempo de ver o corredor e os móveis
ensanguentados como nas séries de televisão
sobre crimes. Conclusão: a minha Mãe
andou seis meses em tratamento na Misericórdia,
a gata serenou e por ali ficou como se não
fosse nada com ela, e um dia mais tarde foi levada para um terreno que os meus
pais tinham em Azeitão. Não me
lembro depois o que lhe aconteceu, e também não me
apetece perguntar à minha Mãe…
Nunca mais tivemos gatos em
casa. Durante muitos anos, alimentámos
dezenas deles no tal terreno, e não sei
como é que o meu Pai tinha paciência
para fazer 30 km dia sim dia não para levar tachadas de
comida aos gatos, que na sua maioria eram selvagens, à
excepção de um – o Risquinhas – que era
um meloso e tinha uma empatia especial com o cão que
lá tínhamos, o Romy.
2 comentários:
Alex, aqui sim, está-se bem...
Estou a inspirar-me para o regresso em breve.
Um abraço
Meg (Recalcitrante)
Pelos vistos a primeira leitora do Sofá Amarelo..."segunda edição".
Confortavelmente sentada no meu sofá cruo, olhando o crepitar do fogo na minha lareira.
Gostei do texto, óbvio, não sou daquelas que lê pela metade.
Boa sorte para a nova etapa.
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