Há décadas que vivemos numa economia de mercado na Europa, onde o mercado faz o que quer. A ideia no início era fazer com que os mercados actuassem nos locais onde fosse preciso para dar mais valor e riqueza a esses locais: quem fosse mais eficiente e mais competitivo seria com certeza mais forte!
Tudo começou na actividade imobiliária, na crença de que toda a gente precisa de uma casa, e se for uma casa grande e bem localizada segundo os padrões de qualidade de vida ocidental, tanto melhor! Isto não teria qualquer mal, se não se tivesse descoberto um mecanismo de produzir dinheiro virtual: isto é, o crédito concedido era empacotado sob a forma de títulos, os quais depois eram transaccionados no mercado e vendidos anonimamente. Com o dinheiro realizado com a colocação dos títulos, voltava-se a emprestar, e assim sucessivamente, tantas vezes, quanto a procura e a oferta permitissem. Quer dizer, um determinado montante real de dinheiro era multiplicado por n montantes virtuais: os objectos de compra existiam (as casas) mas aquilo que as permitia adquirir era completamente virtual. Em última análise, pensavam os 'iluminados', os imóveis serviam como garantia.
A titularização multiplicou-se a partir dos estados Unidos e estendeu-se à Europa, Portugal incluído. Foi assim que nos anos 90 os bancos concederam créditos a todos os que o solicitassem, não importava que o rendimento familiar fosse de mil euros e a prestação mensal da casa fosse de 500 euros ou mais, e que a pessoa pagasse pelo imóvel um valor muito acima daquilo que ele valia. A isto chamava-se hipercrédito, ninguém ficava sem vender, ninguém ficava sem comprar. Ainda por cima, para gerar mais 'dinheiro', os títulos eram desmontados e agrupados por segmentos e depois integrados noutros títulos.
Na cegueira do lucro nem os bancos, nem os intermediários nem as agências de rating viram o que se estava a passar. Tinha que dar asneira. Quando se descobriu a 'doença', a banca foi atingida por uma desconfiança brutal que levou à queda do Lehman Brothers nos EUA. No entanto, há quem louve esta queda pois ela serviu de lição e impediu que caísse a AIG, pois se isso acontecesse tombaria todo o mundo financeiro, a possibilidade de transaccionar bens e serviço ficaria afectada e haveria um período de sofrimento económico brutal e inimaginável. Porque hoje em dia todos dependem de todos, uns têm a energia que permite produzir alimentos e outros produtos noutro local. Todos os países vivem neste equilíbrio, e uma quebra deste estado de coisas levaria inclusive à queda da própria União Europeia.
Foi por isso que os privados recorreram aos apoios dos estados para resolverem os seus problemas e foram os próprios estados que se endividaram muito acima daquilo que podiam fazer para ajudar os privados. Um endividamento de 10% do PIB em qualquer país é tolerável dois ou três anos, mas impossível de gerir se durar uma década ou mais, como acontece com alguns países europeus, nomeadamente a Grécia. E não é perdoando as dívidas gregas que se resolve o problema. Por outro lado, se a Europa deixa cair um dos seus membros, os mercados irão perguntar no dia seguinte: 'quem cairá a seguir?'.
A Europa continua a adiar as grandes decisões, por incompetência política e por falta de visão. Se nada melhor for feito do que as medidas de maquilhagem feitas até agora, o Euro e a União Europeia podem mesmo cair. E se houver tempestade é melhor estar preparado do que sermos apanhados desprevenidos.
(este texto foi escrito com base em declarações do Professor João Duque, Presidente do ISEG)
3 comentários:
Bem escrito e muito elucidativo!
Um indivíduo da S&P, que pediu anonimato, disse ao NYT, há quase 3 anos :"se nos pedissem o rating de uma manada de vacas escanzeladas e a morrer dávamos-lhes um triplo A".
Abraço
Falamos mais logo.
A crise não nos vencerá :-)
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